
Discurso Líder do GPMpD Paulo Veiga na Sessão Solene Comemorativa do 30º Aniversário da Constituição
Tuesday, October 11, 2022
Excelências
Senhor Presidente da República
Senhor Presidente da Assembleia Nacional
Senhor Primeiro Ministro
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Senhoras e Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados Nacionais
Senhores Ex-Presidentes da Assembleia Nacional
Senhor Presidente do Tribunal de Contas
Senhor Provedor da Justiça
Senhores Embaixadores e Representantes dos Organismos Internacionais, aqui presentes Senhor Presidente da Associação dos Municípios de Cabo Verde
Senhores Presidentes de Câmaras e Assembleias Municipais, aqui presentes Senhores Membros do Conselho da República
Senhor Chefe da Casa Civil do Presidente da República
Senhora Presidente da Comissão Nacional de Eleições
Senhores Representantes das Confissões Religiosas
Senhores Representantes das Organizações da Sociedade Civil
Uma Saudação especial a todos Alunos aqui presentes
Senhores Jornalistas e Representantes da Comunicação Social,
Ilustres Convidados
Minhas senhoras e meus senhores
Esta Sessão Solene integra-se no Programa das Comemorações do trigésimo Aniversário da Constituição que rege o nosso destino como Nação.
As minhas primeiras palavras vão para os jovens de Cabo Verde.
Peço-lhes que recuem no tempo e imaginem um período da nossa História em que não podiam expressar livremente as suas opiniões (como o fazem hoje nas redes sociais), ou não podiam viajar livremente para onde quisessem, seja para estudar, visitar familiares, ou simplesmente curtir.
A boa notícia é que a 25 de setembro de 1992 foi publicada e entrou em vigor a nossa Constituição, aprovada, sob proposta dos deputados do MpD, pela Assembleia Nacional eleita a 13 de janeiro de 1991: assim nasceu a Constituição, que fundou a II República e que consagrou, pela primeira vez na história de Cabo Verde, um Estado de Direito Democrático!
Esse evento histórico na vida da nossa Nação merece ser conhecido, assinalado e comemorado.
Foi o dia em que, através dos seus legítimos representantes, os cabo-verdianos rejeitaram, de uma vez por todas, as ditaduras e os regimes daqueles que se auto proclamavam a vanguarda do povo; e romperam com a prática política que prevaleceu nos primeiros quinze anos de Independência, assente na teoria segundo a qual um só e único partido era permitido e se arrogava todos os poderes, submetendo o Estado e a sociedade aos seus desígnios e colocando
se acima das leis.
Os cabo-verdianos viveram, durante mais de cinco séculos e até então, sob regimes autoritários, sempre condicionados por um poder político distante, monolítico, que sistematicamente se recusava reconhecer-lhes os mais elementares direitos de cidadania.
A nossa Constituição representou o momento da viragem dessa história. Um momento emocionante, de revolução pacífica, suportado por uma imensa maioria com uma enorme sede de mudança, de democracia e de liberdade que acreditou na aventura democrática sonhada, proposta e ousada pelo MpD.
Ousamos soluções – como a do voto dos emigrantes nas eleições presidenciais - que muitos países no mundo, incluindo os mais avançados, ainda não tinham concebido e experimentado.
Tivemos a coragem de consagrar aquilo que parecia uma grande heresia política em face do regime monolítico anterior fundado na supremacia do partido/Estado, que submetia os cidadãos a difusos interesses gerais, manipulados pelo poder político: a nova República, democrática e de direito, passou a ser fundada na dignidade da pessoa humana, elevada a valor absoluto, superior e sobreposto ao próprio Estado.
O cabo-verdiano, pelo simples facto de o ser, passou a ter direitos elementares como os direitos à integridade física, à propriedade e à segurança; liberdades como as de expressão, manifestação, informação e associação; e garantias como a do acesso a uma justiça independente.
Foi uma verdadeira revolução! Como também o foi a instituição do poder local, autónomo, forte e eleito diretamente pelas populações! Ou a conceção de um poder judicial independente do poder político! Ou a consagração de um conjunto de garantias contra o arbítrio do poder,
submetendo o Estado inteiramente ao controle dos tribunais! Ou ainda, o pluralismo sindical, contra a unicidade imposta pelo partido único! E a liberdade económica com a consagração do princípio segundo o qual o sector privado deve ser o dominante na economia, contra a conceção anterior assente na sua estatização.
Com a nossa Constituição o cidadão passou a ser senhor do seu próprio destino! E mudou radicalmente a sua relação com o poder público! Foi-lhe reconhecido o direito inalienável de desobedecer e de se revoltar contra as ordens e instruções que violem os seus direitos fundamentais! Foi-lhe também reconhecido o direito inalienável de ser diferente e de exigir o respeito por essa diferença. Tornou-se o centro do sistema.
O respeito internacional de que granjeamos, a segurança jurídica que proporcionamos aos nossos cidadãos residentes e na diáspora, aos nossos visitantes e investidores, aliados ao edifício institucional construído para garantir todos os direitos consagrados na Constituição, fazem de Cabo Verde um País atrativo, respeitado, referenciado como um dos melhores, apoiado pelos parceiros, como se pôde ver durante a crise pandémica. Um país que orgulha os cabo
verdianos e o mundo.
É, pois, nossa obrigação defender a nossa Constituição e o regime por ela implantado.
É Ela que nos permite, hoje, ter eleições livres e justas com oposições atuantes e gozar dos seus deveres de fiscalização da atividade governativa, com uma justiça que ainda carece de melhorias, mas nos garante o exercício das liberdades e o usufruto dos direitos fundamentais, uma comunicação social livre e, por vezes, implacável, bem como uma sociedade civil capaz de se organizar e defender seus direitos e prerrogativas.
Os jovens de então consentiram os sacrifícios necessários para assegurar que assim viessem a viver no nosso país. Dos jovens de hoje, espera-se que lutem para que seja sempre assim no nosso Cabo Verde. Alguns jovens que na altura não apoiaram este movimento sublime de valorização do nosso país, é porque não tinham percebido o seu alcance. Perdoá-los. Hoje, felizes, até se candidatam e ganham eleições aos mais altos cargos no quadro da nossa Constituição.
Assim, é papel dos jovens de hoje lutar para que o Estado e as instituições, incluindo as oposições, se erijam em guardiões dos princípios e valores democráticos e liberais e promovam os direitos liberdades e garantias dos cidadãos.
Neste momento de comemoração solene dos trinta anos de vida da Constituição que fez história em Cabo Verde, o MpD exprime o quão honrado e profundamente satisfeito está por a Nação cabo-verdiana lhe ter propiciado o papel marcante, de protagonista do seu projeto político constitucional, tanto no surgimento como na consolidação da nossa Lei Fundamental, ao longo destes trinta anos que já leva.
É também a oportunidade de lembrar, agradecer, celebrar e honrar aqueles – alguns infelizmente já não estão entre nós - que, com coragem, determinação, dedicação e espírito de união, numa trincheira comum, contribuíram para o sucesso do MpD na nada fácil “batalha” da Constituição, pela dignidade das pessoas, pela liberdade, pela democracia e pelo progresso.
Uma Constituição como a nossa – consensual na generalidade da nossa comunidade nacional, mas também avaliada positivamente pelo mundo fora – esteve sempre no centro das preocupações e soluções que identificam o MpD, desde os seus primórdios.
Basta ler o Programa Político do partido de 1990 para nele encontrar, clara e desenvolvidamente expressos, quer o ideário da Mudança democrática que o partido preconizava quer o objetivo assumido de consagrar esse ideário novo, seus valores e princípios em Constituição substantivamente diferente das do regime do partido único que vigorou nos 15 primeiros anos da Independência.
Na sua origem e no seu conteúdo, é uma Constituição da Liberdade e do Desenvolvimento que:
• confere e assegura individualmente aos cabo-verdianos direitos, liberdades e garantias fundamentais universais e outros direitos de natureza análoga, assentes na dignidade da pessoa humana e na igualdade básica de todos perante a lei, invioláveis, inalienáveis e reconhecidos como fundamento de toda a comunidade humana, da paz e da justiça, abrangendo: (i) os direitos à vida, à integridade física e moral, à liberdade e segurança pessoal, à identidade, à personalidade, ao bom nome, à imagem e à intimidade, à nacionalidade, à inviolabilidade do domicílio, da correspondência e das comunicações, ao casamento e à filiação; (ii) as liberdades de expressão e informação, de consciência, religião e culto, de aprendizagem, educação e ensino, de deslocação e emigração, de associação, de reunião e manifestação, de criação intelectual, artística e cultural; (iii) os direitos de participação na vida pública, nos assuntos públicos e na organização do poder político; (iv) os direitos liberdades e garantias dos trabalhadores (direitos ao trabalho, à retribuição e outros, direito à greve e proibição do lock-out, liberdade de associação profissional e sindical); e (v) o regime de proteção da família pela sociedade e pelo Estado;
• paralelamente estabelece os deveres gerais do cidadão em relação à família, à sociedade, ao Estado e a outras instituições legalmente reconhecidas, à Nação e à comunidade, enfatizando que (i) todo o individuo deve respeitar e considerar os direitos e liberdades dos outros, sem discriminação alguma e manter com eles relações que permitam promover, salvaguardar e reforçar um clima de respeito e tolerância recíprocos; mas (ii) também contribuir ativamente para a preservação e a promoção do civismo, da cultura, da moral, da tolerância, da solidariedade, do culto da legalidade e do espírito democrático de diálogo e concertação.
Uma Constituição que, também, faz ancorar o Desenvolvimento numa economia de mercado regulada, amiga do ambiente, assente na democracia económica, no crescimento económico e na procura do bem-estar e qualidade de vida do povo cabo-verdiano.
E que, por isso, ao lado de um extenso rol de direitos, liberdades e garantias políticas individuais, estabelece um robusto regime de direitos e deveres económicos, sociais e culturais, tendentes à promoção desse bem-estar e qualidade de vida, incluindo concretas e específicas incumbências
vinculativas - em relação à segurança social, à saúde, à habitação, ao ambiente, à educação, à cultura, ao desporto, às crianças, aos jovens, aos portadores de deficiência, aos idosos, aos consumidores e à família - que não podem ser discricionária e arbitrariamente substituídas ou omitidas pelos poderes públicos no contexto de um Estado-Promotor e Regulador, como deve ser o nosso.
Trinta anos e três revisões constitucionais ordinárias depois, a nossa Constituição aí está, com a mesma matriz e identidade mas, ao mesmo tempo, capaz de se adaptar aos novos tempos e de continuar a ser, não só do ponto de vista formal como também do material e essencial, a nossa Lei Fundamental.
Ela elevou a dignidade da pessoa humana a valor absoluto.
Proclamou o ideal de uma cidadania ativa e responsável e afirmou os cidadãos como superiores ao Estado, colocando este ao serviço daqueles e não o contrário.
Arvorou o pluralismo e o direito à diferença como valores e fatores de progresso, repudiando a unicidade de pensamento e de organizações inerentes aos regimes de partido/Estado.
Deu aos cidadãos possibilidades que hoje parecem naturais, mas que antes dela não eram asseguradas: o direito efetivo de falar, de discordar, de se associar, de se manifestar, de se inscrever em sindicatos da sua escolha livre e de fazer greve.
Também reconheceu aos cidadãos o direito de entrar e sair livremente do território nacional e de emigrar, só podendo a sua liberdade de circulação ser restringida pelos tribunais, nos casos previstos na lei. Esquecem-se disso as vozes que hoje querem reeditar a “autorização de saída” de má memória para evitar que trabalhadores cabo-verdianos procurem uma vida melhor no estrangeiro.
Afirmou como de todos, os direitos à produção e fruição culturais, ao trabalho, a salário justo e igual, à justiça, à educação, à saúde, à habitação, à segurança social, ao ambiente, ao ordenamento, ao urbanismo humano e ao desporto.
Proclamou a igualdade de gênero e condenou, como crime grave, a violência nele baseada.
Protegeu as crianças, os jovens, os portadores de deficiências, os idosos e os consumidores, impondo deveres dos poderes públicos em relação a eles.
Inscreveu como obrigação fundamental do Estado promover o bem-estar e a qualidade de vida dos cabo-verdianos, designadamente dos mais carenciados.
Na prática, ao longo destes trinta anos, a Constituição assegurou efetiva liberdade, pluralismo e democracia, estabilidade política e social, alternância política e governabilidade.
Como é reconhecido, permitiu também, mediante a aplicação das políticas adequadas, um crescimento robusto e sustentado da economia, uma redução efetiva e significativa do desemprego e uma melhoria clara do nível de vida médio dos cabo-verdianos, graças à orientação de democracia económica que contém.
O povo cabo-verdiano tem, por isso, todos motivos para celebrar e festejar a sua Constituição.
Mas o MpD não pode e não deve contentar-se com a mera existência da Constituição em si, como ela se encontra atualmente formulada.
Tem de estar também, como sempre, na linha da frente da defesa da Constituição, que é vital para um presente e um futuro próximo de paz, liberdade e progresso.
Doze anos depois, num quadro de desejável estabilidade, parece ser tempo de a Constituição - embora consensual na sua matriz e identidade – ser avaliada na sua aplicação e impacto, e quiçá corrigida onde se justificar. Porque, como a Democracia, a Constituição nunca é uma obra imutável, acabada e perfeita!
As revisões pontuais ordinárias são momentos de atualização para garantir a estabilidade e tendencial perenidade do essencial da Constituição, porque ajudam a mantê-la como corpo vivo, que deve ser capaz de se adaptar e ser o guia útil e confiável na busca incessante dos caminhos para o progresso e o desenvolvimento da nossa sociedade e da nossa Nação.
Por isso, participar ativamente nas revisões da Constituição é um dos mais eficientes modos de defender a nossa Lei Fundamental. O MpD, através dos seus parlamentares, tem sido e deverá continuar a ser o parceiro mais interessado, ativo e de boa-fé, na primeira linha desse processo.
Deve também o MpD preocupar-se e agir para que, por um lado, a Constituição seja uma lei viva, conhecida, sentida e usada, cada vez mais, pelos cidadãos e pela sociedade civil em seu benefício próprio; divulgada de modo competente e eficiente na comunicação social pública (órgãos e redes sociais); e ensinada nos seus princípios, valores e linhas gerais aos jovens nas escolas.
E, por outro lado, muito particularmente deve preocupar-se e agir, através dos instrumentos legais de que disponha, em que participe ou que possa influenciar, para que a Constituição seja observada e aplicada criteriosamente pelos órgãos políticos de soberania, pela Justiça, pelas autarquias locais e pela Administração Pública.
Pois, é perceção generalizada que não existe informação jurídica eficiente aos cidadãos e à sociedade civil no seu conjunto, sobre a história político-constitucional do país e sobre o conteúdo da nossa Lei Fundamental nas matérias do interesse direto daqueles e desta.
E também é perceção significativa que, mais vezes do que o expetável e razoável, os órgãos e entes públicos formuladores das políticas públicas e aplicadores das leis em que elas se traduzem no Estado de Direito não vêm, ao longo do tempo, conferindo à Constituição a primazia formal e material e o lugar exigido pela hierarquia das leis e pelo sistema político-constitucional vigente.
O MpD poderá, no contexto referido, intervir seja através de iniciativas legislativas parlamentares próprias, seja por intermédio do Governo que suporta e dos Municípios em que está representado; e, além disso, agir pela via do acesso ao Tribunal
Constitucional, que a lei reconhece aos seus deputados, ou ao Provedor de Justiça, que a lei reconhece aos cidadãos seus militantes ou simpatizantes, duas instituições da maior importância em sede de fiscalização da aplicação da Constituição, que já se encontram em pleno funcionamento, avaliado como muito positivo.
Impõe-se, ainda, mobilizar a generalidade dos democratas a continuarem a afirmar a Constituição, defendê-la e promovê-la. E, em especial, a continuarem a divulgar e promover, permanentemente, os princípios, valores, espírito e normas que a compõem e a sua importância vital como guião da nossa Democracia e da nossa vida, como cidadãos e como Nação.
Esse é, neste dia de homenagem solene à nossa Constituição, o compromisso firme e irreversível do Grupo Parlamentar a que tenho a honra de liderar!
VIVA A CONSTITUIÇÃO
Muito obrigado pela Vossa atenção.
Praia, 11 de outubro de 2022.
Líder Parlamentar
Paulo Jorge Lima Veiga